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Qual a mais importante inovação do século 20? Antibióticos? Computador? Telefone? Internet? Nada disso. A inovação mais importante foi aquela que possibilitou que outras inovações produzissem seus efeitos. Foi a disciplina da gestão. Assim começa O Que É Gerenciar e Administrar, de Joan Magretta (editora Campus), que a revista The Economist considerou “um animal raro na literatura de negócios — lúcido inspirador e honesto”. Pense no projeto Manhattan: “Temos de produzir uma bomba atômica antes da Alemanha nazista”. Para isso, os Estados Unidos teriam de mobilizar os talentos de centenas de cientistas de várias nacionalidades. Aconteceu. Sem gestão, não teria acontecido. Tudo o que implica organizar com um propósito precisa de gestão. O herói favorito dos gestores é McGeiver: foco absoluto no resultado com os recursos disponíveis.

Imagine que você está em busca de emprego. “Não há vagas”, é o que anunciam as tabuletas nas portas de todas as empresas do mundo. Portanto, você não pode procurar “vagas”. Você tem de se apresentar como a melhor forma de a empresa conseguir que algo seja feito, não como um parafuso em busca de uma rosca. Esse é o ponto de partida da mentalidade gestão: o valor é definido por quem compra, não por quem vende. É fácil captar intelectualmente, mas a questão não é “saber”, é o que você faz. Gestão é fazer acontecer. Não há nada mais freqüente no mundo empresarial do que a queixa: “Temos a estratégia e o plano de ação, mas não conseguimos executar”. Bolas, gestão é resultado, não esforço. É natural colocar o foco no esforço. É natural e errado. Gestão existe porque o que tem de ser feito nunca surge naturalmente.

De fora para dentro. A Silicon Graphics investiu milhões na TV interativa porque seus engenheiros — apaixonados pela tecnologia — juravam que o público adoraria. Aposta errada. Fracassou. Antes de Jack Welch, a GE era uma das maiores empresas industriais do mundo. Agora, 80% de seus lucros vêm de serviços. O negócio de locomotivas da GE, um de seus mais antigos, ilustra a mudança. Desde 1895 a regra era fazer locomotivas cada vez mais potentes. Jack Welch notou que, para as estradas de ferro, valor não era locomotivas melhores, mas a habilidade de transportar mais carga a menor preço. A GE introduziu sistemas computadorizados para gerenciar a frota e equipamentos para saber a qualquer momento onde cada trem estava. Quando um deles quebrava, ninguém precisava pedir ajuda. A GE ia lá e recolocava a máquina em serviço. Uma empresa para ter o direito de existir tem de gerar valor econômico (preço menos custo). Já uma organização sem fins lucrativos tem de gerar valor social — o que é muito mais fluido. Quem é o cliente do Fome Zero — os famintos ou os doadores? Gestão começa com um acordo sobre um propósito, e isso é mais difícil nas organizações sem fins lucrativos porque lhes falta a disciplina que um cliente pagante obriga a ter. Como não têm clientes óbvios, elas têm de começar impondo-se a disciplina de uma missão: existimos para criar que valor único? Quem vai nos dar suporte nisso? Organizações sem fins lucrativos têm de investir tempo e energia num acordo sobre essas coisas. O programa Fome Zero tem sido um descalabro gerencial. Qual sua missão? Inclusão social, diz Frei Betto, o “assessor religioso” do programa. Distribuição de alimentos, diz José Graziano, o “gestor”. Na pressa de anunciar um programa popular, não definiram o básico.

Uma boa proposta de valor é uma história que faz sentido. Toda boa história tem personagens bem delineados, motivações plausíveis e trama bem amarrada. No mundo das organizações, chamamos essa história de modelo de negócio.

1992. A Eurodisney abriu com projeções de ganhos fantásticos. Ações a 150 francos. Dois anos depois teve de mudar tudo — as ações estavam a 30 francos e a quebra era iminente. Os europeus não aceitaram tão bem o modelo de negócio do parque. A teoria era que os visitantes gastariam o mesmo tempo e dinheiro fazendo as mesmas coisas que seus equivalentes na América. Aposta errada. Europeus não ficam beliscando o dia inteiro como em Orlando. Todos parecem querer sentar-se para almoçar nos mesmos horários e nos mesmos lugares. Filas enormes. Clientes irritados. Serviço ruim. O modelo de negócio foi mudado radicalmente.

Criar um modelo de negócio novo é escrever uma nova história. Veja um exemplo:

Antigamente, o viajante tinha de levar cartas de crédito para trocar por dinheiro num banco no destino — o processo era lento e burocrático. Os cheques de viagem da American Express mudaram esse enredo. Para os clientes, o valor era cristalino: por uma pequena taxa, compravam segurança (os cheques eram segurados contra perda e roubo) e conveniência (eram amplamente aceitos no comércio). Para os comerciantes era igualmente um bom valor: podiam confiar no nome American Express e, aceitando os cheques de viagem, atraíam mais clientes. A empresa descobriu um negócio sem risco, já que os clientes pagavam antecipadamente. A trama ficou ainda mais emocionante quando ocorreu algo inesperado: quem vende geralmente tem de pagar os custos associados ao produto antes de vendê-lo e ficar rezando para que sua história faça sentido e o público compre. A American Express inverteu isso. Como as pessoas pagam pelos cheques geralmente bem antes de usá-los, ela conseguia empréstimos sem juros por parte de seus clientes. Melhor ainda: uma fração nada desprezível dos cheques nunca era descontada, e a empresa ganhava também aí. A história é clara e irresistível para todos os envolvidos. Percebemos por que os personagens se comportam e qual a lógica econômica da situação.

Um modelo de negócio de sucesso representa uma maneira melhor de fazer algo. Um exemplo é a e-Bay, empresa ponto-com de leilões que inventou um método campeão de colocar em contato quem quer comprar e quem quer vender todo tipo de bugiganga. Pequenos comerciantes a transformaram em seu canal de vendas. Sem dinheiro para marketing, eles pagam alegremente a taxa que a e-Bay cobra, fornecem as mercadorias e a e-Bay os clientes. Todo mundo ganha. É como numa história policial: “A quem interessa o crime?”, perguntaria Sherlock Holmes. Todos têm interesse no “crime” quando o modelo de negócio é bom. Agora, histórias de fracasso geralmente têm personagens dos quais se esperam comportamentos sem lógica. Você sairia no meio do filme. A Priceline Webhouse Club, uma das ponto-com que recentemente viraram pó, foi como um filme ruim.

Seu modelo: pela internet milhões de pessoas diriam quanto estavam dispostas a pagar por, digamos, um pote de manteiga de amendoim. Dariam o preço, mas não poderiam escolher a marca. A Priceline juntaria todos os pedidos e iria a uma grande empresa com a seguinte proposta: “Baixe 1 dó lar no preço que nós compramos 1 milhão de frascos”. O mesmo valeria para gasolina, fraldas descartáveis, sabonete, o que fosse. O que deu errado? O enredo assumia que empresas como Procter & Gamble, Nestlé ou Exxon teriam interesse nesse jogo. Mas por que haveriam de ter? Essas empresas gastam bilhões de dólares para nos convencer de que suas marcas são as tais. Os consumidores da Priceline queriam só preço, que se danasse a marca! Quer dizer, os fornecedores teriam de ajudar a Priceline a puxar para baixo tanto seus preços como suas identidades de marca tão duramente construídas. Faz sentido?

Estratégia é fazer melhor sendo diferente. Estratégia boa é sempre difícil de imitar. Ninguém conseguiu ser Dell na escala em que a Dell é Dell, entende? Competidores tentam a venda direta, mas não podem abandonar seus canais tradicionais sob pena de perder tudo. Quem quer ser tudo para todos sempre perde. Para as organizações sem fins lucrativos, ser melhor fazendo diferente é a chave para cumprir sua missão. Escolher o que não fazer é tão essencial como escolher o que fazer, e isso vale para países também. Mais sobre isso adiante.

Dada nossa missão, como nossa performance será medida? Sem definir isso não há gestão. O setor social está sob permanente risco de fazer bobagens aqui. Grandes desafios do novo governo brasileiro estão no âmbito do gerencial. Onde ele acertou até agora foi onde usou melhor a mentalidade gestão (área econômica: metas e métricas claras, decisões pragmáticas) e onde andou pior foi onde ela faltou: área social em geral. Esse tema é recorrente. No início do século passado, Henry Ford entrou em conflito com os investidores da Ford Motor Company por falta de acordo sobre como medir o sucesso. Os investidores queriam o maior lucro por carro e poucos carros vendidos. Ford queria vender o máximo que pudesse com lucro unitário baixo. Escolheu a métrica que fazia sentido para seu propósito: fazer carros para as multidões. Uma história atual é a da Nasa, a agência espacial americana. No final dos anos 90, pressionada por cortes no orçamento, a ênfase mudou de projetos bilionários que duravam décadas para projetos mais curtos e baratos. Sucesso passou a ser “mais rápido, mais barato e melhor”. Em dezembro de 1999, a sonda espacial Mars Polar Lander espatifou-se contra o solo de Marte. (Meses antes outra nave tivera o mesmo destino.) A catástrofe do ônibus espacial Colúmbia é o mais recente desastre. Nada errado com os objetivos. Dinheiro curto é um fato concreto. Mas faltou gestão para impedir que eles se tornassem um fim em si mesmos. Você não pode gerenciar sem métricas, mas também não pode aplicá-las sem refletir mui to sobre o quanto elas reforçam seu propósito. Inclusão social é diferente de distribuição de alimentos. Cotas em universidades não significam mais representatividade social para os negros (podem, perversamente, significar até o contrário). É sutil. Não se trata de vontade política. Trata-se de cabeça gerencial. Sam Walton não deixava que as despesas de compradores da Wal- Mart em viagens fossem maiores que 1% do que se estava comprando. Jack Welch estabeleceu a famosa regra para os negócios da GE: “Se você não é número 1 ou 2, conserte, feche ou venda”. Medir desempenho só faz sentido quando há um propósito claro. Qual é a missão dos museus? Tem sido ser “guardiões da cultura”. Mas e se definirmos museus como promotores de cultura, responsáveis por aumentar o número de visitantes? Muda muito.

O que é sucesso para o setor de emergência de um hospital? O número de pessoas que sobrevivem a ataques do coração ou a rapidez com que são atendidas? Ou alguma métrica que combine os dois? Já reparou como no setor público a falta de mentalidade gestão faz com que se coloque o foco no esforço e não no resultado? Um novo crime chocante, e lá vem a lengalenga: “Vamos aumentar o efetivo; já abrimos concurso”. Esforço é irrelevante do ponto de vista gerencial. Para obter resultados, temos de traduzir propósito em medidas de desempenho. É sempre mais fácil medir o que você põe no sistema do que aquilo que você quer obter como resultado. É mais fácil, mas é medíocre. No sistema educacional enfatiza-se o número de salas de aula ou bibliotecas, ou horas de aula, mas, se o resultado que se deseja é um cidadão produtivo, como você mede o sucesso do sistema? Obter resultado em qualquer coisa implica primeiro concordar sobre aquilo que se quer obter, e, depois, traduzir essa coisa em medidas concretas de desempenho.

Todo gestor tem de ter um pé no presente e outro no futuro. A Kodak vive esse dilema diante da fotografia digital. Será que vai dar tempo de fazer a mudança? Processamento de imagem tradicional fez da Kodak o que ela é. Em 1999, 80% de sua receita e quase todo o seu lucro vieram daí. Seu desafio é estar no jogo que será jogado amanhã sem matar a vaca leiteira de hoje. Empresas do setor social raramente têm esse olhar para o futuro — suas demandas são tais que cada centavo é canalizado para o hoje. Isso incentiva o “curtoprazismo” dos políticos e os tornam inerentemente ineficientes como gestores.

O mais importantes primeiro. Quando você ouve a governadora do Rio de Janeiro dizer que “o grupo de trabalho vai atacar 100 prioridades para acabar com o crime”, pode desconfiar. Um gestor sabe que resultado sempre depende de fazer um pequeno número de coisas realmente bem. Em assistência médica isso é comum. A Humana, uma das maiores empresas americanas do setor, descobriu que 10% de seus pacientes geravam 80% de seus custos e introduziu um sistema de gestão para lidar com isso. Mas, ao colocar mais gente para trabalhar nesse programa, a empresa desviou recursos de outros pacientes. Pessoas perderam benefícios aos quais estavam acostumadas, processaram a empresa e ganharam. Alocar recursos escassos é da essência da gestão, mas não é indolor. No Brasil, vamos ter um curso completo disso agora, com as reformas da previdência e tributária. Será um excelente teste de nosso avanço. Não vamos nos iludir: mentalidade gestão conflita com política em muitas instâncias. Política é a arte do compromisso. Gestão é a arte de escolher um caminho. Acomodação pode ser essencial em política, mas sempre corrói o desempenho de organizações. Em política há vantagens em querer ser tudo para todos (ganham-se eleições assim). Em gestão isso nunca é verdade. Gestão é sobre pessoas, atitudes e valores. As melhores coisas da vida podem não ter preço, mas têm custo — e a gestão pode fazê-las menos custosas. A mentalidade gestão fará efeito no Brasil quando nós, como povo, conseguirmos definir melhor o que é valor para nós e quanto estamos dispostos a pagar. Quando estivermos dispostos a fazer escolhas para atingir objetivos. É assim que gestão funciona. Para empresas, pessoas e países também.

Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/791/noticias/o-que-faz-um-gestor

 

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